Em março de 2020, a pandemia do coronavírus e a necessidade de isolamento social fizeram com que patrões e empregados fossem obrigados a reinventar-se. Nesse contexto, rapidamente o mundo corporativo incorporou o trabalho prestado à distância por medida de segurança, e descobriu o aumento da produtividade e a redução de custos operacionais.
Passado mais de um ano do início da pandemia, pode-se dizer que o trabalho remoto veio para ficar. No entanto, é preciso estar atento ao que diz a lei para que a solução não se torne um problema.
Há uma diferença conceitual entre o TELETRABALHO e o chamado HOME OFFICE. Ambos são modalidades de prestação de serviço à distância, longe das dependências do empregador, porém, não são a mesma coisa.
O TELETRABALHO foi introduzido no ordenamento brasileiro através da reforma trabalhista, em 2017. O instituto é relativamente novo e definido como o serviço prestado fora das dependências do empregador, através de meios telemáticos, porém, pela sua natureza não se configura trabalho externo.
Dos artigos celetistas a respeito dessa modalidade de prestação de serviços, é possível extrair que:
Deve haver contrato específico entre as partes prevendo expressamente a modalidade e definindo o tipo de atividade a ser desenvolvida pelo empregado;
A execução das tarefas pode se dar em qualquer lugar, inclusive na residência do empregado, desde que fora das dependências do empregador, embora seja possível que compareça à sede da empresa de forma esporádica;
A aquisição dos equipamentos tecnológicos e infraestrutura para desenvolvimento das atividades e o reembolso das despesas poderão ser acordados entre as partes, ou seja: pode ou não ser reembolsada pelo empregador e nunca vão integrar a remuneração do empregado;
Cabe ao empregador instruir o empregado de maneira expressa, quanto às recauções e normas de saúde e segurança no trabalho, a fim de evitar doenças e acidentes, devendo o empregado assinar termo de responsabilidade;
Por fim, conforme previsto no artigo 62, III, da CLT, os trabalhadores em regime de teletrabalho não estão submetidos ao controle de jornada;
Diante disso, conclui-se que o empregado submetido ao regime de teletrabalho possui gestão sobre sua atividade: é o trabalhador quem define como, quando e onde vai desempenhar suas tarefas, desde que cumpra com as entregas especificadas com o empregador. E justamente por estar longe dos “olhos” do patrão é que possui essa prerrogativa, observando sempre os padrões estabelecidos pela empresa, atraindo para si a responsabilidade de cumprir todas as regras de saúde e medicina do trabalho.
Pode-se dizer que o poder diretivo do empregador, nesse caso, é mitigado: ainda imperam os requisitos da relação de emprego, inclusive a subordinação, porém, esse poder deve ser exercido de forma diferenciada. A relação exige um grau de confiança mútua muito grande e um plano de trabalho com fixação de metas e entregas muito bem definido.
Diante disso, fica fácil perceber que não é qualquer atividade que se enquadra no conceito legal do teletrabalho: é preciso utilizar meios telemáticos, o labor precisar ser passível de fixação através de metas e entregas para que o empregado possa fazer a gestão da execução à sua conveniência e longe das dependências do empregador. Se algum desses requisitos não for preenchido, não estará configurado o teletrabalho.
Nesse caso, estaríamos diante do labor em “HOME OFFICE” que ainda não possui tratamento legal. É uma permissão precária, realizada sem contrato específico, em que o empregador permite ao empregado executar suas atividades a partir de sua residência, ainda que apenas
em parte da jornada.
Ou seja, as normas gerais celetistas que regem a relação contratual continuam as mesmas e todas as previsões que valem para o trabalho executado presencialmente, nas dependências do empregador, continuam valendo para o trabalho desempenhado em home office. O que muda é apenas o local da prestação de serviços.
Portanto, é necessário, dentre outras coisas, controlar a jornada do empregado e equilibrar a quantidade de serviço a ser desempenhado, para que não sejam devidas horas extras.
Além disso, o empregador deve cuidar das condições do local de trabalho do empregado, que forneça os equipamentos necessários, indenize os gastos para o desempenho das tarefas e, sobretudo, respeite os intervalos legais para descanso e alimentação.
Para melhor entender as semelhanças e diferenças aplicadas à essas modalidades de serviço remoto, segue o quadro comparativo:
Seja qual for a modalidade, trabalhar em casa não é sinônimo de estar disponível a qualquer hora e a qualquer momento. O empregado precisa descansar e se desconectar do trabalho. Por essa razão, deve o empregador conscientizar sua equipe sobre a importância de respeitar os limites do corpo e da mente, para que as atividades, em algum momento, sejam encerradas e retomadas apenas na próxima jornada. É preciso estabelecer rotinas e metas muito bem definidas, sob pena de tornar-se improdutivo.
Nota-se que, mesmo tímida, a regulamentação celetista sobre o teletrabalho fixou suas balizas. O Judiciário não pode fechar os olhos para esse novo modelo, sob pena de engessar o mercado e, ao invés da tão sonhada inovação, a lei, na prática, vire um retrocesso.
Nesse sentido, o teor da Nota Técnica 17/2020, expedida pelo Ministério Público do Trabalho, preocupa e muito! Isso porque sugere, dentre outras medidas, que o empregador, ao adotar o trabalho à distância, deve criar mecanismos de controle de jornada, garantir o gozo dos intervalos, reembolsar despesas do empregado, fornecer equipamentos e garantir o cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho.
O problema é que a Nota Técnica trata como idênticas todas as modalidades de labor prestado à distância e joga nas costas do empregador obrigações que tecnicamente não estão na lei - ao menos em relação ao teletrabalho – aumentando a insegurança jurídica e dando a tônica do que está por vir.
O trabalho prestado de forma remota é uma realidade sem volta e além da discussão em torno do controle da jornada e do direito às horas extras, que certamente será o ponto alto das futuras demandas, há ao menos duas outras que certamente chegarão ao Judiciário.
A primeira refere-se ao direito do empregado à desconexão. A facilidade de contato a qualquer hora exige que os gestores se atentem à necessidade do trabalhador se desligar de suas tarefas. Os trabalhadores em home office estão em casa, mas continuam submetidos à jornada contratual e intervalos para descanso. Os gestores precisam se atentar aos limites e ter cuidado ao mensurar a quantidade de trabalho exigida, para que o trabalhador consiga se desligar e dar à mente o devido descanso.
E quanto ao teletrabalho a mudança cultural é ainda maior: não há controle de jornada, portanto, o trabalhador - que possui a prerrogativa de organizar o tempo dedicado ao trabalho – não tem a obrigação de estar disponível a qualquer tempo, desde que cumpra suas entregas.
A segunda questão trata do cumprimento de normas de medicina e segurança do trabalho e a garantia à incolumidade física do trabalhador que exerce suas atividades fora das dependências e do alcance do empregador. Não é permitido adentrar à residência do empregado para fiscalização do cumprimento dessas normas. A partir disso: estará caracterizada a culpa da empresa relacionada às doenças ocupacionais, quando corretamente tenha treinado e orientado seus empregados sobre os riscos e uso adequado dos equipamentos? E como fica a caracterização de eventual acidente de trabalho?
Essas são questões complexas, são novos desafios que precisam ser melhor enfrentados pelo legislador. E a pergunta que fica é: como a Justiça do Trabalho irá encará-los?
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