O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), decidiu que nas eleições deste ano algumas informações dos candidatos não precisarão mais ser publicizadas, isto é, não estarão ao alcance dos eleitores como nas eleições anteriores. Dentre os dados anonimizados estarão as declarações de bens dos concorrentes a cargos públicos, fato bastante questionável e que a nosso sentir viola o princípio fundamental da supremacia do interesse público sobre o particular, uma vez que impede aos eleitores fiscalizarem o patrimônio e a vida pretérita dos participantes da corrida eleitoral. É preciso destacar que não se defende no presente artigo o uso do princípio da supremacia do interesse público como óbice aos direitos fundamentais dos futuros agentes políticos e nem tampouco uma visão autoritária do mencionado mandamento fundamental, mas sim uma utilização ponderada do citado pressuposto lógico com o objetivo de se flexibilizar o direito constitucional de proteção de dados dos candidatos para que se preserve a transparência necessária ao devido processo eleitoral. Frisa-se que a nossa jurisprudência e doutrina já pacificaram o entendimento de que todos os direitos previstos no ordenamento possuem limites, não podendo uma prerrogativa ser exercida de modo a aniquilar por completo outro direito ou princípio fundamental. Nesse sentido, não há que se falar em uma proteção sem limites dos direitos dos candidatos, sendo certo que no presente caso, a limitação imposta pelo TSE dificulta o exercício de um dos principais direitos constitucionais, qual seja, o direito de voto consciente e lastreado em informações completas e fidedignas esculpido no artigo 14 de nossa Constituição Federal, fragilizando, inclusive, a soberania popular, eis que limita os parâmetros que poderiam ser utilizados no momento da escolha dos candidatos. Há que se ressaltar que o artigo 37 da Constituição Federal dispõe que a Administração Pública seguirá os ditames do princípio da publicidade, o que por certo repercute na vida privada, intimidade e privacidade dos ocupantes de cargos eletivos, dado que estarão sempre sujeitos a fiscalização e cobranças por parte da população que eles representam. A doutrina e jurisprudência já consolidaram o entendimento de que os direitos personalíssimos de figuras públicas, em especial, aqueles que exercem atividade política devem ser interpretados de modo restritivo, como assevera o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, no seguinte trecho: “[…] essa proteção constitucional em relação àqueles que exercem atividade política ou ainda em relação aos artistas em geral deve ser interpretada de uma forma mais restrita, havendo necessidade de uma maior tolerância ao se interpretar o ferimento das inviolabilidades à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, pois os primeiros estão sujeitos a uma forma especial de fiscalização pelo povo e pela mídia, enquanto o próprio exercício da atividade profissional dos segundos exige maior e constante exposição à mídia. Essa necessidade de interpretação mais restrita, porém, não afasta a proteção constitucional contra ofensas desarrazoadas, desproporcionais e, principalmente, sem qualquer nexo causal com a atividade realizada.” (2009, p. 54) A corte eleitoral, ao reprimir o direito de acesso à informação, aparentemente, não levou em consideração a flexibilização de direitos inerente aos ocupantes de cargos políticos, tratando estes como cidadãos comuns e ignorando o contexto social e político que vivemos.
Acredita-se que a decisão do TSE pode ainda facilitar a criação e propagação de fakenews relacionadas ao patrimônio dos candidatos, já que os eleitores não saberão ao certo o real patrimônio dos seus escolhidos, viabilizando a divulgação de notícias falsas sobre essa matéria e possibilitando o agravamento da crise de representatividade que enfrentamos. Salienta-se que sem transparência não existe Estado Democrático de Direito e nem um sistema de governança política eficiente. Pelo contrário criamos um cenário que estimula a má-conduta e a proliferão de práticas não republicanas, como a corrupção. Sobre tal tema, Ana Claudia Santano aduz que: “A transparência deve ser a base do sistema, e essa, aliada a um correto e equilibrado sistema de sanções determinará que os mecanismos de controle previstos sejam eficazes. Se não é assim, qualquer intervenção legislativa no tema pode não ter efeito algum. Os benefícios de um accountability aliados com a publicidade de dados e eleitores informados, possuem uma eficácia muito maior do que uma legislação restritiva ou proibitiva, que acaba, indiretamente, conduzindo todo o sistema para a corrupção”. (2015)
A divulgação parcial das informações dos candidatos poderá ter o condão de dificultar aos eleitores o exercício do direito de realizarem algumas impugnações previstas no Código Eleitoral, visto que os dados ocultados, em tese, teriam o potencial de servir de subsídio para demonstrar alguma hipótese de inelegibilidade ou incompatibilidade do candidato, prejudicando ainda a detecção e denúncia de práticas antijurídicas que passaram pelo filtro dos órgãos fiscalizadores, como o caixa dois ou recebimento de valores indevidos pelos candidatos. Vale salientar que a LGPD não foi criada com o objetivo indicado pelo TSE, mas sim, com o escopo de se preservar os dados e a autodeterminação informativa dos cidadãos comuns. Tanto é assim que em seu art. 4º prevê que a LGPD não se aplica para fins exclusivamente jornalísticos e artísticos. Nesse ínterim, indiretamente, a decisão da Corte Eleitoral prejudica, inclusive, a liberdade de imprensa, eis que impede a coleta de informações por meio de banco de dados públicos e incentiva a busca por informações em canais extraoficiais.
Além disso, a decisão joga por terra grande parte do objetivo da criação e investimento no portal DivulgaCandContas financiado pelo próprio TSE, o qual de acordo com o portal https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/ visa a “divulgação de candidaturas e contas eleitorais e apresenta informações detalhadas sobre todos os candidatos que pediram registro à Justiça Eleitoral e sobre as suas contas eleitorais e as dos partidos políticos”, uma vez que sem o detalhamento das declarações de bens temos uma prestação de contas insuficiente e uma divulgação de informações incompleta. Diante do contexto, é possível concluir que foi equivocada a decisão do TSE em limitar o acesso de dados pessoais dos candidatos, em especial, no que se refere a divulgação das declarações dos bens dos postulantes a cargos eletivos. *Bruno Guerra de Azevedo é sócio da Área de Direito Digital do SGMP Advogados REFERÊNCIAS: MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. 24. ed. – São Paulo: Atlas, 2009.
SANTANO, A.C. Menos proibições e mais transparência: as (falsas) promessas sobre a vedação de doações de pessoas jurídicas no financiamento de campanhas eleitorais. Revista Ballot, Rio de Janeiro, vol.1 n.1, mai/ago. pp 182-201. 2015. https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/tse-prejudica-escolha-deeleitor-ao-limitar-acesso-a-dados-de-candidatos
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